“Sua hora chegou”: quando o “destino” é fruto da negligência

Cemitério em Manaus durante o auge da pandemia de Covid-19 no Brasil, em maio de 2021 / Fonte: Michael Dantas/AFP/Getty Images

Este texto é o aprofundamento do assunto abordado no vídeo “SUA HORA CHEGOU!“, publicado em meu canal de divulgação científica Um Pingo de Ciência. Assista ao vídeo aqui: https://www.youtube.com/shorts/ZrFz3PRxW4w

Você já ouviu alguém dizer que uma pessoa morreu porque “a hora dela chegou”? Essa frase tão comum muitas vezes serve para mascarar algo alarmante: a negligência que transforma problemas evitáveis em tragédias devastadoras.

Vemos isso acontecer repetidamente. Pense, por exemplo, no desabamento da ponte entre os estados de Tocantins e Maranhão, ocorrido em 22 de dezembro de 2024, que tirou vidas e deixou famílias arrasadas. Relatórios técnicos apontavam problemas estruturais desde 2019, mas a falta de manutenção transformou um alerta em tragédia. Pense ainda nas chuvas catastróficas no Rio Grande do Sul, entre o final do mês de abril e o início do mês de maio de 2024, que resultaram em mais de 180 mortes e afetaram mais de dois milhões de pessoas. Essa enchente, longe de ser um evento isolado, escancarou a ausência de planejamento urbano adequado, a ocupação desordenada de áreas de risco e a falta de investimentos em infraestrutura preventiva.

E é claro que não posso deixar de mencionar a negligência durante a pandemia de Covid-19, ocorrida antes dessas duas tragédias. A demora na adoção de medidas eficazes, a desinformação disseminada por autoridades e a falta de investimentos em prevenção levaram o Brasil a registrar centenas de milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas. Esse cenário de desinformação minou a confiança de parte da população nos órgãos de saúde e, como consequência, doenças antes controladas e preveníveis por vacinação estão voltando a se manifestar.

Esses eventos não foram obra do “destino”, mas de FALHAS HUMANAS! Atribuir essas mortes ao acaso é uma forma de negar responsabilidades. Quando ignoramos relatórios de risco, quando governos postergam investimentos essenciais, quando fechamos os olhos para o impacto ambiental das nossas ações, estamos, na prática, assinando sentenças de morte.

O mais inquietante é que esse padrão se repete em diversas situações. Estradas sem manutenção se tornam armadilhas mortais. Hospitais sem recursos adequados não conseguem atender à demanda e comprometem o atendimento que poderia salvar vidas. Falhas em barragens, incêndios em favelas, deslizamentos de terra – tudo isso é previsível e, muitas vezes, evitável com planejamento e investimento adequados.

Quantas vidas perdidas ainda vamos justificar dizendo “a hora chegou” em vez de assumir nossa parte na negligência, no descaso? Até quando vamos permitir que tragédias anunciadas, que poderiam ser prevenidas, ocorram sem exigir medidas efetivas? A responsabilidade não pode ser diluída em frases fatalistas. Precisamos encarar a realidade: evitar novas tragédias exige ação, fiscalização e políticas públicas sérias. O destino de tantas vidas não pode continuar nas mãos da omissão, da indiferença.

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